Expediente – v.2, n.2 (2017)

Expediente – Revista Epistemologia

ISSN 2526-4761

Revista Epistemologia – Revista de Filosofia em suporte on-line. Regime de periodicidade semestral. Expediente do v.2, n.2 (2017).

Autores participantes – Alexandra Aguirre / Neylton Allan Costa Santos

Colaboradores Técnico-Científico – Adriana Lacerda de Brito / Campo Elías Flórez PabónJeane Vanessa Santos SilvaJenny Patricia Acevedo Rincón

Coordenador Editorial – Arnaldo Vasconcellos

A Revista Epistemologia é publicada independentemente.

Para contato: arnaldo@networkcore.eti.br / artigos@epistemologia.com.br
– Todos os artigos representam as opiniões dos respectivos autores e são de sua responsabilidade e não representam necessariamente a posição filosófica, política ou cultural dos demais membros constituintes da Revista Epistemologia –

EDITORIAL – v. 2, n.2 (2017)

EDITORIAL – Epistemologia e suas possíveis interseções sociais

Terra, fotografada pela Apollo 17 em 1972. Sob domínio público

Em 2003 o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush,  iniciou uma guerra contra o Iraque, sob os argumentos no qual Saddam Hussein teria posse de diversas armas de destruição em massa e que o mesmo abrigaria integrantes da Al-Qaeda. A questão da existência dessas armas foi questionável, mas levou a uma guerra que culminou com a retirada de Hussein do poder e sua prisão – posteriormente condenado à morte pelas suas condutas naquele  país.

É interessante mostrar que a existência – ou não – daquele arsenal jamais visto, é uma questão acerca de uma ontologia. O questionamento sobre como o serviço de inteligência chegou a esta resposta é epistêmica; definir como se chega a uma conclusão, como esta que ilustramos, ou como ela se sustenta, são viéses epistemológicos.

Definir se o o que temos como conhecimento que temos sobre sua existência é de fato um conhecimento, é uma tarefa epistemológica; mas também é possível estudá-la por viés social. Há portanto, nas coisas do mundo e da história do mundo, a intersecção das camadas de estudo – podendo uma delas, a critério de como as estudamos, estar centrada como uma metodologia.

No mundo de 2017, já não tão perto dos idos de 2003, ainda temos questões de atualidades que se relacionam ao critério do conhecimento da existência de ontologias – como obtemos ou justificamos o conhecimento sobre tais objetos: objetos ontológicos e políticos. Podemos referir aos objetos políticos como aqueles fatos com clara influência em decisões políticas.

A reforma da previdência, trabalhista e outras poderiam suscitar debates acerca da existência de objetos – ou falta deles – e características que deveriam motivar ações da administração pública em torno das mudanças legislativas e práticas legalizadas: a existência de rombo previdenciário, ou não; a existência de um crime em um impeachment, ou não – que friamente analisadas não corresponderam às alegações individuais que cada parlamentar usou na tribuna ao mostrar-se contra ou afavor no tribunal de impedimento. Tribunal este que deveria ter levado em consideração a existência ou não ontológica de tais crimes (muitos votaram pelos mais diversos motivos, o que gerou diversas chacotas do como esse tribunal foi levado a cabo).

Estes são alguns exemplos onde a ontologia, onde a existência – não no termo existencialista, mas em uma aproximação mais realista – de objetos ou características são decisivas para a tomada de decisões públicas e, em outras instâncias, privadas.

Vivemos um momento onde as delações são tomadas como importantes instrumentos para alcançar o estado de coisas que permeiam crimes e contravenções – são importantes provas testemunhais, não há dúvidas; mas que podem levantar questões sobre a validade, a rigidez de tal conhecimento testemunhal e a real aplicabilidade de todas as delações. Em sentido mais estrito, elas devem ser verificadas, para que não ocorra o uso assistemático e irreal deste dispositivo. Há no entanto o impacto social – como ocorre na mídia – que pode ser diverso da verdade que ele carrega. É uma importante questão a se levantar a respeito, sem a pretensão de invalidar o uso de tal dispositivo, mas de pensar o uso jurídico e o que está além da possibilidade jurídica. É obvio que neste prefácio editorial não se pretende afirmar quais são ou como quais tipos de objetos testemunhais devam ser levados em consideração: mas como uma ilustração do que é passível que ocorra.

Análises sobre o status ontológico das coisas que nos permeiam, sob o viés de como podemos conhecê-las, e sobre como justificamos a atribuição de conhecermos tais status é uma das vertentes possíveis da epistemologia, mesmo sob análises menos tradicionais à uma estrutura imaginada do que seria “a epistemologia”; são análises interseccionais à uma considerada epistemologia tradicional.

Esta revista presta-se ao serviço de fornecer trabalhos que desenvolvam-se tanto no âmbito mais tradicional da epistemologia, quanto trabalhos que possuam caráter interfacial à esta epistemologia tradicional. Onde é possível uma análise sociológica ajudar a definir, por exemplo, critérios de como conhecemos, ou pensamos conhecer as coisas.

Neste número, a Revista Epistemologia, leva aos leitores dois artigos que utilizam desta faceta sociológica; procurando, assim, dar voz a uma diversidade maior de pesquisas. Agindo num mundo desde sempre familiar: perspectivas etnometodológicas sobre ação social nos mostra uma interpretação dos fenômenos sociais, tangenciando as relações epistêmicas.  Também com cunho sociológico temos o Indivíduo, comunidade e ascensão social: a falta de reconhecimento no espaço público como forma de naturalização das desigualdades e marginalização social que demonstra como o reconhecimento em espaços públicos moldam desigualdades sociais, por vezes tomadas como natural.

Arnaldo Vasconcellos

EDITORIAL – v. 1, n.1 (2016)

EDITORIAL

Epistemologia – o que é?

cropped-658px-Belief_Venn_diagram.svg2_.pngPrimeiramente é com grande satisfação que iniciamos as edições da Revista Epistemologia. Uma das tarefas que seguiremos é versar sobre a própria especialidade da Epistemologia bem como suas interfaces, dentro ou fora da filosofia.

Para iniciar esta edição, é necessário que façamos uma reflexão sobre esta importante área da filosofia, e por sua vez uma reflexão metafilosófica.

A palavra epistemologia vem do grego episteme, que significa “conhecimento”, no sentido de um conhecimento mais formal. É posta como uma área da filosofia que trabalha sobre as questões do conhecimento – sua origem, suas garantias, suas especificidades e generalidades. Entende-se que o estudo do conhecimento, bem como do conhecimento científico, por exemplo, são de âmbito da epistemologia.

Desta forma podemos dizer que a epistemologia trabalha com questões acerca da generalidade do conhecimento e como pode este sê-lo, assim como podemos trabalhar com a especificidade de conhecimentos como o científico, o artístico etc. Do científico, ainda podemos estabelecer estudos específicos entre diversas áreas da ciência, sua historiografia, bem como a construção de sua prática – o que pode nos levar a questionamentos se há uma filosofia da ciência única ou várias filosofias de várias ciências específicas.

Vendo sobre este patamar, ainda é possível entender que a epistemologia também está ligada a outras áreas como a gnosiologia (gnosis em grego significa conhecer) e que também trata como seu objeto de estudo o conhecimento: sendo por alguns posta como sinônimo da área epistemológica e, por outros, mais como um termo a especificar nuances do objeto de estudo – como uma área específica. Não faremos aqui uma distinção engessada, pois abarcaremos como temas de estudo o conhecimento, suas possibilidades, especificidades de seus estudos e suas interfaces – como possíveis norteadores da revista. Neste sentido tomaremos como áreas similares.

Em outro patamar podemos ainda vislumbrar como essa grande área da filosofia se relaciona com outras áreas também puramente tidas como filosóficas, ou ainda que interseccionem em outras áreas do conhecimento geral – que a princípio, por convenções, não são postas como filosóficas.

É possível, por exemplo, a comunicação da epistemologia com a ontologia – que é o estudo, relacionado à metafísica, do ser: em que âmbito podemos relacionar a ontologia com a epistemologia? Até que nível podemos alcançar a união destas áreas quando falamos da possibilidade de um conhecimento de fato, com garantias, e que se relacionam com o ser que o produz? Há no conhecimento científico a existência de características ontológicas que permitem a existência de uma metafísica mesmo num ramo, historicamente, tido como exato? É a ciência algo tão exata como se propõe a visão do senso comum?

Tais questões são pertinentes, mas não novas num mundo filosófico onde outras também coabitam tal morada: são nossas asserções, como as científicas, realistas ou não? Há um caráter sociológico da produção científica? O que é e como se caracteriza a prática científica? Há uma origem científica fora do consenso eurocêntrico da História científica?

São todas essas questões pertinentes, específicas e não finalizadas que a epistemologia pode enfrentar, mas também muitas outras sobre o aspecto de como se dá, fundamenta, constrói e desdobra-se o conhecimento.

O estudo do conhecimento, como uma área independente na filosofia não significa, em nenhum momento, que não possua, embora tenha especificidades, intersecções; como afirmamos outrora: o estudo do que há, uma ontologia pode também pressupor um estudo do que sabemos – epistemologia (numa divisão utilizada por Daniel Dannett em seu “Tipos de Mentes”). A epistemologia pode relacionar-se, por exemplo, com a lógica em diversos contextos, como podemos citar o caso de Popper em seu falseacionismo – cuja base lógica se resume em uso do modus tollens, uma inferência lógica em que se nega o consequente.

Pensar a origem do conhecimento, como ele se processa e quais suas garantias parece uma tarefa de outro mundo, ou ainda fora da vivência cotidiana: num mundo onde a crença e a mera opinião têm força cada vez maior, após mesmo das históricas investidas, hoje relativamente falidas, da era iluminista (o que demonstra uma certa falibilidade daqueles ideais outrora pensados por tais iluministas).

A partir do momento em que, mesmo não precisando fixar uma necessidade de explicação do porquê este estudo deve ser feito, podemos entender secundariamente que há uma possibilidade de explicar uma função de tal entendimento num mundo que parece tão caótico – mundo que as vezes ignora toda a possibilidade de conhecimento, em detrimento das meras opiniões (muitas das vezes fundamentadas em outras opiniões onde a tecnologia adquiriu uma importância tão grande em entreter e divertir pessoas).

Embora nossa realidade demonstre uma falta de diálogo, por vezes evidenciada na forma como estruturamos todas as nossas ações, onde cenário político por vezes se dá como consequência de crenças mal explicadas, ou de coisas puramente da esfera da fé invadindo a laicidade do estado; num mundo onde a suspensão dos juízos, coisa que deveria ser de um ideal filosófico nobre, acaba por ser utilizada como mera forma de silenciar o perspectivismo de abordagens ou de ideias (onde ela deveria ser uma fundamentação para a aceitação do diálogo e da construção do conhecimento pela possibilidade de múltiplas perspectivas de entendimento de nossa realidade); apesar destes contratempos (e talvez com mais força por causa deles) é necessário continuar a investigar:

Estudar o conhecimento, é algo desafiador e que insere uma possibilidade enorme de entendermos como o conhecimento é tomado como o próprio conhecimento.

Nesta linha, além dos questionamentos básicos, alguns dos quais levantamos aqui, é também chamativa a tarefa de entender em que ponto o estudo sobre o tal saber pode interferir em outras áreas; que por vezes podem ser tomadas como não filosóficas num sentido mais estrito (de algum pensador mais exclusivista e criterioso). Neste sentido, podemos, e devemos, entender o quanto essa área pode contribuir para uma nova política, um ensino mais promissor (e longe de inibir outras possibilidades em prol de algumas poucas crenças) e um próprio conhecimento de mundo – seja ele de ordem científica ou não; não que isso se deva resumir a necessidade do estudo epistemológico, obviamente, afinal não se reduz necessariamente a apenas estas possibilidades; mas que sabemos ser possibilidades.

Por este motivo, a Revista Epistemologia inicia suas edições com artigos que versam sobre a grande área da epistemologia, mas também com artigos que tratam sobre as interfaces desta área com outras afins.

Dentre as publicações que abrem nossa edição temos o artigo do professor Paulo Lima, onde há uma interpretação de Ian Hacking, filósofo da ciência, bem como a re-interpretação de conceitos existencialistas heideggerianos para o impacto positivo no meio ambiente.

Outro artigo que trazemos em nossa primeira edição é uma introdução ao debate do Realismo e Antirrealismo científico, ideal para aqueles que gostariam de entrar neste assunto tão profícuo; passando por entre algumas nuances referentes ao realismo versus antirrealismo, tais como a questão dos entes inobserváveis e os argumentos apresentados entre defensores de cada uma dessas grandes visões epistemológicas.

Ainda apresentamos um artigo sobre a condição pós-moderna, através do olhar de Jean-François Lyotard, combinado com o de Heidegger, que acaba por refletir a própria condição de uma filosofia e sua reconstrução.

Por fim, desejamos que a Revista Epistemologia possa contribuir com o debate tanto filosófico quanto o metafilosófico e convidamos a todos a fazer uma leitura desta primeira edição.

Cordialmente,

Arnaldo Vasconcellos.