EDITORIAL – v. 1, n.1 (2016)

Leia "EDITORIAL - v. 1, n.1 (2016)" em outros formatos

EDITORIAL

Epistemologia – o que é?

cropped-658px-Belief_Venn_diagram.svg2_.pngPrimeiramente é com grande satisfação que iniciamos as edições da Revista Epistemologia. Uma das tarefas que seguiremos é versar sobre a própria especialidade da Epistemologia bem como suas interfaces, dentro ou fora da filosofia.

Para iniciar esta edição, é necessário que façamos uma reflexão sobre esta importante área da filosofia, e por sua vez uma reflexão metafilosófica.

A palavra epistemologia vem do grego episteme, que significa “conhecimento”, no sentido de um conhecimento mais formal. É posta como uma área da filosofia que trabalha sobre as questões do conhecimento – sua origem, suas garantias, suas especificidades e generalidades. Entende-se que o estudo do conhecimento, bem como do conhecimento científico, por exemplo, são de âmbito da epistemologia.

Desta forma podemos dizer que a epistemologia trabalha com questões acerca da generalidade do conhecimento e como pode este sê-lo, assim como podemos trabalhar com a especificidade de conhecimentos como o científico, o artístico etc. Do científico, ainda podemos estabelecer estudos específicos entre diversas áreas da ciência, sua historiografia, bem como a construção de sua prática – o que pode nos levar a questionamentos se há uma filosofia da ciência única ou várias filosofias de várias ciências específicas.

Vendo sobre este patamar, ainda é possível entender que a epistemologia também está ligada a outras áreas como a gnosiologia (gnosis em grego significa conhecer) e que também trata como seu objeto de estudo o conhecimento: sendo por alguns posta como sinônimo da área epistemológica e, por outros, mais como um termo a especificar nuances do objeto de estudo – como uma área específica. Não faremos aqui uma distinção engessada, pois abarcaremos como temas de estudo o conhecimento, suas possibilidades, especificidades de seus estudos e suas interfaces – como possíveis norteadores da revista. Neste sentido tomaremos como áreas similares.

Em outro patamar podemos ainda vislumbrar como essa grande área da filosofia se relaciona com outras áreas também puramente tidas como filosóficas, ou ainda que interseccionem em outras áreas do conhecimento geral – que a princípio, por convenções, não são postas como filosóficas.

É possível, por exemplo, a comunicação da epistemologia com a ontologia – que é o estudo, relacionado à metafísica, do ser: em que âmbito podemos relacionar a ontologia com a epistemologia? Até que nível podemos alcançar a união destas áreas quando falamos da possibilidade de um conhecimento de fato, com garantias, e que se relacionam com o ser que o produz? Há no conhecimento científico a existência de características ontológicas que permitem a existência de uma metafísica mesmo num ramo, historicamente, tido como exato? É a ciência algo tão exata como se propõe a visão do senso comum?

Tais questões são pertinentes, mas não novas num mundo filosófico onde outras também coabitam tal morada: são nossas asserções, como as científicas, realistas ou não? Há um caráter sociológico da produção científica? O que é e como se caracteriza a prática científica? Há uma origem científica fora do consenso eurocêntrico da História científica?

São todas essas questões pertinentes, específicas e não finalizadas que a epistemologia pode enfrentar, mas também muitas outras sobre o aspecto de como se dá, fundamenta, constrói e desdobra-se o conhecimento.

O estudo do conhecimento, como uma área independente na filosofia não significa, em nenhum momento, que não possua, embora tenha especificidades, intersecções; como afirmamos outrora: o estudo do que há, uma ontologia pode também pressupor um estudo do que sabemos – epistemologia (numa divisão utilizada por Daniel Dannett em seu “Tipos de Mentes”). A epistemologia pode relacionar-se, por exemplo, com a lógica em diversos contextos, como podemos citar o caso de Popper em seu falseacionismo – cuja base lógica se resume em uso do modus tollens, uma inferência lógica em que se nega o consequente.

Pensar a origem do conhecimento, como ele se processa e quais suas garantias parece uma tarefa de outro mundo, ou ainda fora da vivência cotidiana: num mundo onde a crença e a mera opinião têm força cada vez maior, após mesmo das históricas investidas, hoje relativamente falidas, da era iluminista (o que demonstra uma certa falibilidade daqueles ideais outrora pensados por tais iluministas).

A partir do momento em que, mesmo não precisando fixar uma necessidade de explicação do porquê este estudo deve ser feito, podemos entender secundariamente que há uma possibilidade de explicar uma função de tal entendimento num mundo que parece tão caótico – mundo que as vezes ignora toda a possibilidade de conhecimento, em detrimento das meras opiniões (muitas das vezes fundamentadas em outras opiniões onde a tecnologia adquiriu uma importância tão grande em entreter e divertir pessoas).

Embora nossa realidade demonstre uma falta de diálogo, por vezes evidenciada na forma como estruturamos todas as nossas ações, onde cenário político por vezes se dá como consequência de crenças mal explicadas, ou de coisas puramente da esfera da fé invadindo a laicidade do estado; num mundo onde a suspensão dos juízos, coisa que deveria ser de um ideal filosófico nobre, acaba por ser utilizada como mera forma de silenciar o perspectivismo de abordagens ou de ideias (onde ela deveria ser uma fundamentação para a aceitação do diálogo e da construção do conhecimento pela possibilidade de múltiplas perspectivas de entendimento de nossa realidade); apesar destes contratempos (e talvez com mais força por causa deles) é necessário continuar a investigar:

Estudar o conhecimento, é algo desafiador e que insere uma possibilidade enorme de entendermos como o conhecimento é tomado como o próprio conhecimento.

Nesta linha, além dos questionamentos básicos, alguns dos quais levantamos aqui, é também chamativa a tarefa de entender em que ponto o estudo sobre o tal saber pode interferir em outras áreas; que por vezes podem ser tomadas como não filosóficas num sentido mais estrito (de algum pensador mais exclusivista e criterioso). Neste sentido, podemos, e devemos, entender o quanto essa área pode contribuir para uma nova política, um ensino mais promissor (e longe de inibir outras possibilidades em prol de algumas poucas crenças) e um próprio conhecimento de mundo – seja ele de ordem científica ou não; não que isso se deva resumir a necessidade do estudo epistemológico, obviamente, afinal não se reduz necessariamente a apenas estas possibilidades; mas que sabemos ser possibilidades.

Por este motivo, a Revista Epistemologia inicia suas edições com artigos que versam sobre a grande área da epistemologia, mas também com artigos que tratam sobre as interfaces desta área com outras afins.

Dentre as publicações que abrem nossa edição temos o artigo do professor Paulo Lima, onde há uma interpretação de Ian Hacking, filósofo da ciência, bem como a re-interpretação de conceitos existencialistas heideggerianos para o impacto positivo no meio ambiente.

Outro artigo que trazemos em nossa primeira edição é uma introdução ao debate do Realismo e Antirrealismo científico, ideal para aqueles que gostariam de entrar neste assunto tão profícuo; passando por entre algumas nuances referentes ao realismo versus antirrealismo, tais como a questão dos entes inobserváveis e os argumentos apresentados entre defensores de cada uma dessas grandes visões epistemológicas.

Ainda apresentamos um artigo sobre a condição pós-moderna, através do olhar de Jean-François Lyotard, combinado com o de Heidegger, que acaba por refletir a própria condição de uma filosofia e sua reconstrução.

Por fim, desejamos que a Revista Epistemologia possa contribuir com o debate tanto filosófico quanto o metafilosófico e convidamos a todos a fazer uma leitura desta primeira edição.

Cordialmente,

Arnaldo Vasconcellos.

Leia "EDITORIAL - v. 1, n.1 (2016)" em outros formatos