Agindo num mundo desde sempre familiar: perspectivas etnometodológicas sobre ação social

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Resumo

O objetivo do trabalho é compreender e expor a etnometodologia como uma teoria sociológica que, ao tratar da ação cotidiana, rompeu com o paradigma que atribuía sentido à uma ação. Os estudos etnometodológicos propuseram substituir as causas e motivações como explicações para ações sociais, pelo conhecimento (familiar, pressuposto, desinteressante – não é um tópico a ser discutido – e sobre o qual não se fala) do contexto em que se age. De fato, “causas” e “motivações” não explicam como as ações ocorrem, ao contrário, frequentemente são racionalizações posteriores, das quais os agentes lançam mão com o intuito de dar coerência às suas ações (e de outros). A ação social, definida por Max Weber como “ação significativa e orientada por outro”, passou a revelar uma racionalidade subjacente compartilhada entre os participantes, cuja lógica própria orienta as ações. De outra maneira, é porque se percebe um mundo social relativamente estável e em si desinteressante, é que se pode tomar decisões, fazer escolhas, argumentar e dar relevâncias. Para compreender os fundamentos teóricos da etnometodologia e a ruptura epistemológica que propôs no âmbito das ciências sociais, utilizamos um estudo de caso apresentado pelo próprio Harold Garfinkel – uma conversa entre casal – como contexto cotidiano de ação e interpretação. O mundo familiar é baseado em experiências prévias e funciona como um quadro de referências disponível para a interpretação de acontecimentos contingentes e concretos. Usá-lo é parte da expectativa dos atores no cotidiano como um esquema gramatical conhecido e dominado que orienta as ações. Por exemplo, numa conversa ocasional entre estranhos, o conhecimento compartilhado que prevalece é o “típico” ou o que está disponível a qualquer um, como o senso comum. No entanto, em um diálogo cujos participantes são mais próximos, como um casal, o quadro de referências gerido por ambos tende a ser específico, implicando a existência de uma gramática própria, a partir da qual se interpretam mutuamente.

Palavras-chave: etnometodologia; ação social; compartilhamento

Abstract

The aim of the paper is to comprehend and expose the ethnomethodologies as a sociological theory, that shifted the paradigm of how to attribute meaning to an action. The ethnomethodologically studies replaced “motivation” and “causes” as social action explanation, by the knowledge (familiar, presupposed, uninteresting – it’s not a conversation subject – and unspoken) of the actors about their context. In fact, “causes” and “motivation” do not explain how actions happen. On the contrary, they are often later rationalizations, from which actors give coherence to their actions (and to the others). The social action, based on Max Weber definition of “meaning action and guided by others”, revealed an underlying rationality with a proper logic, shared among participants. In the same way, it is because one experiences the social world fairly stable and uninteresting in itself, that is possible to take decisions and make choices, argue and give relevance. To understand the theoretical foundations of ethnomethodology and the epistemological rupture in the social sciences, we take a case presented by Harold Garfinkel himself – a conversation between a couple -, as a daily context of action and interpretation. The familiar world is based on previous experiences and works as a references framework, available to interpret contingent and concrete events. Use it is expected by actors in the quotidian as a known and dominated grammar scheme that guides the actions. For instance, in an occasional dialogue among strangers, the main shared knowledge is the “typical one” or common sense. However, in a conversation whose participants are closer, as a couple, the references framework managed by both tends to be specific, implying the existence of a proper grammar scheme, from which they interpret each other.

Key words: ethnometodology; social action; sharing.

1 Introdução

A etnometodologia (GARFINKEL, 2006), ao propor o estudo da ação social, rompeu com o modelo canônico1 de explicação das ações sociais por meio de suas causas e motivações (HERITAGE, 1999). De fato, “causas” e “motivações” não explicam como as ações ocorrem, ao contrário, frequentemente, são racionalizações posteriores das quais os agentes lançam mão com o intuito de dar coerência às suas ações (e de outros). O que a etnometodologia tornou possível é que “as análises da ação e do conhecimento fossem plenamente integradas umas às outras” (HERITAGE, 1999, p. 324), a ação social passou a ser observada do ponto de vista do “conhecimento que os agentes vêm a ter a respeito de suas circunstâncias” (HERITAGE, 1999, p. 327). Segundo John Heritage, as ações ocorrem em contextos específicos e são orientadas pelo conhecimento que os participantes vêm a ter destes mesmos contextos.

No interior do próprio evento, as ações componentes serão produzidas pelos participantes que irão ter inevitavelmente uma compreensão, ainda que tácita, dos momentos contextuais específicos nos quais devem atuar e do modo como os vários cursos possíveis de ação irão concretizar ou desapontar as expectativas constitutivas ligadas a esses momentos. (HERITAGE, 1999, p. 350 – grifo meu).

Harold Garfinkel em “Estudos em etnometodologia” apresenta diversos experimentos com os próprios alunos, em que busca demonstrar como a ação social é orientada pela compreensão que os participantes têm das circunstâncias em que o evento ocorre; e não por alguma “motivação” ou “intenção” prévia a ela. Em um desses experimentos, os alunos entabularam uma conversa corriqueira com um desconhecido e, ao fim, afirmaram ter gravado o diálogo. A reação do entrevistado (em citação) demonstra que ele não apenas agia orientado pela “compreensão, ainda que tácita, dos momentos contextuais” (HERITAGE, 1999, p. 350), como tinha expectativas de que seus interlocutores (alunos-pesquisadores) fizessem o mesmo. Por outras palavras, numa conversa casual, o que as partes esperam é que se compartilhe todo um modo de agir, que obviamente não inclui a gravação do conteúdo compartilhado, ainda mais sem autorização. Neste caso, a conversa não é apenas a representação simbólica do que se diz, mas uma ação social que envolve todas as partes quando compartilham tacitamente de um conhecimento sobre como agir em conversas casuais. Segue o experimento e a reação do entrevistado:

Durante a conversa o experimentador abria a jaqueta para mostrar o gravador e disse: “Vês o que trago aqui?”. A pausa inicial era quase invariavelmente seguida pela pergunta: “O que vais fazer com a gravação?”. Os sujeitos reclamaram pela ruptura da expectativa de que a conversa era “entre nós”. O fato que se revelara, de que a conversa havia sido gravada, motivou novas possibilidades que as partes buscaram colocar sob a jurisdição de um acordo que nunca havia sido explicitamente mencionado e que, em efeito, não existia antes do evento. A conversa, que agora se revelava como gravada, adquiriu um aspecto novo e problemático à vista dos usos desconhecidos para os quais podia ser utilizada. A partir desse momento se pressupôs que o acordo de que a conversa era íntima havia operado durante todo o tempo. (GARFINKEL, 2006, p. 90 – grifos e tradução minha2).

Quando o foco se desloca das causas para as “maneiras cognoscíveis pelas quais, conscientes ou não, os agentes conhecem, reconhecem e produzem ações e estruturas sociais” (HERITAGE, 1999, p. 323), a ação social deixa de ser percebida como irrefletida e irracional, para revelar uma racionalidade subjacente compartilhada, uma lógica e ordem próprias, inquestionáveis e pressupostas entre os participantes e que compõem o contexto da ação.

Na conduta de seus assuntos cotidianos, para que a pessoa possa tratar racionalmente a décima parte da situação que, como um iceberg sobressai da água, deve ser capaz de tratar as restantes nove décimas partes escondidas sob a água como algo inquestionável e, quiçá ainda mais interessante, como fundo inquestionável dos assuntos que são relevantes para seus cálculos, mas que aparecem sem ser notado. (GARFINKEL, 2006, p. 192 – tradução minha3).

De outra maneira, é porque se percebe um mundo social relativamente estável e em si desinteressante é que se pode tomar decisões, fazer escolhas, argumentar e dar relevâncias: “Um assunto, sem dúvida, está excluído do interesse dos membros: as ações práticas e as circunstâncias práticas não são para eles, em si mesmas, um tópico, e menos ainda o único tópico de suas investigações” (GARFINKEL, 2006, p. 16 – tradução minha4). Por “ações práticas” e “circunstâncias práticas” compreendem-se os contextos e as ações que ocorrem neste contexto.

2 “Condições de possibilidade” de um mundo familiar e pressuposto

Podemos definir a ação social que se organiza a partir deste mundo compartilhado, desinteressante e pressuposto remetendo à sociologia compreensiva de Max Weber (2010), que define a ação social como significativa para o agente e orientada por outro.

A ação é a conduta humana que pode consistir em atividades fisicamente tangíveis, em atividades mentais, em abster-se deliberadamente de agir ou em tolerar intencionalmente as ações dos outros. Em cada caso, contudo, a conduta humana é considerada propriamente ação apenas e quando na medida em que a pessoa que age atribui significado à sua ação e dá à ela uma determinada direção que, por sua vez, pode ser entendida como significativa. Essa conduta intencionada e intencional torna-se social se for dirigida à conduta de outros (WAGNER, 2012, p. 18 – grifo meu).

É esta mesma noção de ação social que está presente nos estudos fenomenológicos sobre o mundo da vida cotidiano de Alfred Schütz e que servirá, posteriormente, a Harold Garfinkel como as “condições de possibilidades” para o mundo social ser experimentado como familiar pelos agentes.

Schütz propôs uma “redução fenomenológica” do mundo cotidiano e naturalizado, ao colocar “entre parênteses” a factualidade dos fenômenos. Isto quer dizer que o mundo é sempre resultado de interpretação individual ou coletiva, e isto inclui tanto o sujeito da consciência, quanto o objeto que o sujeito experimenta (WAGNER, 2012, p. 16). A interpretação se dá por meio da experiência da consciência do mundo interior e exterior, inclusive quando se trata de ter consciência ou experimentar a “vida dos outros” (WAGNER, 2012, p. 17). A consciência nunca se percebe enquanto tal, mas percebe os objetos para os quais se orienta, os “objetos intencionados”. A experiência é uma “forma” sem conteúdo, e quando se trata de outros indivíduos, sua vida, história e interesses próprios, é possível experimentá-los para “todos os propósitos práticos” (ou circunstancialmente). Não é uma “duplicação” – reproduzir a vida de outros – mas reconhecer as diferenças e a existência de outras vidas numa sociedade. Na redução fenomenológica, os objetos deixam de ter concretude para serem “unidades de sentido ou significado no mundo interior da consciência individual” (WAGNER, 2012, p. 16). Toda experiência e fatos concretos, objetos percebidos, conhecimento científico e do senso comum, são interpretações e envolvem “abstrações, generalizações, formalizações, idealizações” (SCHÜTZ, 1953, p. 2). Se, no cotidiano, o mundo não é objeto de dúvida, mas percebido naturalmente, é porque o agente é ativo na significação das circunstâncias onde se encontra, ele é responsável pelas ações, incluindo aí, a ação interpretativa. A interpretação e o conhecimento passam a ser o principal tópico da fenomenologia que “privilegia a descoberta dos modos com que os agentes sociais analisam as suas circunstâncias e podem partilhar uma compreensão subjetiva dessas mesmas circunstâncias” (HERITAGE, 1999, p. 323). Subjetivas porque interpretadas a partir da consciência, mas compartilháveis por serem padronizáveis e poderem ser comunicadas.

Não haver “fatos puros”, mas interpretação, implica no reconhecimento de que há entre os agentes um estoque de conhecimento comum. A esse estoque, Schütz chamará de “fundo de conhecimento comum”, os “vistos, mas não percebidos”, que não são reconhecidos pela maioria dos participantes, mas do qual lançam mão para agir circunstancialmente. Este fundo é baseado em experiências prévias sobre as coisas e ações, e funciona como um quadro de referências disponível para a interpretação de acontecimentos contingentes e concretos, tornando-os familiares. Usá-lo é parte da expectativa de todos os agentes no cotidiano, como “gestão de assuntos cotidianos” (GARFINKEL, 2006, p. 53).

Todos os fatos são desde o início selecionados de um contexto universal pelas atividades de nossa mente. Eles são, portanto, fatos interpretados, quer dizer, mesmo fatos que parecem deslocados de seu contexto por uma abstração artificial ou fatos considerados em cenários específicos. Em ambos os casos eles carregam consigo seu horizonte de interpretação interno e externo (SCHÜTZ, 1953, p. 2 – tradução minha5).

Como para a fenomenologia6 o objeto da experiência pode ser comparado a outro semelhante – a um objeto de seu tipo, o objeto típico – a tipicalidade7 é um termo utilizado por Schütz que se refere às características generalistas que atribuímos às ações, objetos, personalidades, nesse grande contexto que é o mundo cotidiano:

O mundo factual de nossa experiência é vivenciado desde o princípio como sendo um mundo típico. Os objetos são experienciados como árvores, animais, de maneira geral, e mais especificamente como carvalhos, pinheiros, bordos ou cascavéis, pardais, cachorros. Esta mesa que eu percebo agora é caracterizada como algo que sei reconhecer, como algo de que já tinha conhecimento prévio, mesmo que seja algo novo. Aquilo que é vivenciado como novo já é conhecido no sentido de que remete a coisas iguais ou parecidas que já foram percebidas antes. Aquilo que já foi apreendido uma vez traz consigo um horizonte de experiências possíveis, com referências de familiaridade correspondentes, isto é, uma série de características típicas que ainda não foram vivenciadas, mas que o podem ser potencialmente. (SCHÜTZ, 2012, p. 129).

As características típicas atribuídas cotidianamente são aquelas que fazem parte do que se compreende por “senso comum”. Atribuir a alguém uma personalidade típica significa atribuir características as mais generalizantes possíveis sem que seja preciso conhecê-la. O que a tipicalidade facilita é a interpretação, pois seu quadro de referências é amplo o bastante para comportar quaisquer características (em algum ponto a personalidade típica por sua generalização vai concordar com o traço particular daquele indivíduo). Por outro lado, a tipicalidade também favorece o preconceito já que ela é o compartilhamento e atribuição de características generalistas.

Para Alfred Schütz, o que se compreende por “intersubjetividade” está diretamente relacionado à tipicalidade (ou tipificação), pois ela não diz respeito apenas às experiências que se têm com os conhecidos, mas também com os anônimos, que serão típicos para o sujeito que os experimenta sem os conhecer, ou seja, será imaginado a partir do estoque de conhecimento comum que forma a tipicalidade. Não só o objeto pode ser típico, como a experiência também o pode ser. Por exemplo, o conceito de “compreensão mútua” supõe “que além da sua experiência a pessoa experiencia o experienciar dos outros” (WAGNER, 2012, p. 43).

A relação com outros pode ser apenas de observação, mas também de interação visual ou por meio de signos linguísticos, face a face ou à distância, entre contemporâneos ou não. O que importa para o cotidiano é que as diferenças sejam desconsideradas em favor da tipicalidade – o que é comum a todos -, a partir da qual todos possam agir e interpretar: “[…] apesar das diferentes perspectivas, biografias e motivações que levam os agentes a ter experiências do mundo não-idênticas, eles podem, ainda assim, tratar as suas experiências como ‘idênticas para todos os fins práticos’” (HERITAGE, 1999, p. 330). Os sujeitos e suas diferenças se articulam sobre a tipicalidade disponível, e nem sempre reconhecível, de mundo. E é a partir deste mundo compartilhado e pressuposto que as interações tornam-se possíveis.

Tal é o significado profundo da articulação entre os conceitos de intersubjetividade e de tipificação. O mundo é apreendido desde o início na interlocução fundamental, por vezes silenciosa, entre sujeitos, a partir de uma configuração de valores, relevâncias, interesses, sonhos, projetos, sensações e emoções compartilhadas socialmente […] (TEIXEIRA, 2000, p. 16 – grifos meu).

Para Carla Teixeira, o conceito de tipo utilizado por Schütz ultrapassa o tipo de Weber como recurso metodológico para a “produção de conhecimento científico” (2000, p. 14), pois a “tipicalidade” está relacionada com a problemática do mundo cotidiano, “sua previsibilidade e permanência” (TEIXEIRA, 2000, p. 15), seu não questionamento para o senso comum. Conhecimento disseminado no mundo cotidiano, pressuposto por todos os agentes e condição de possibilidade de um mundo desde sempre interpretado e compartilhado; também pode ser interpretado como o quadro de referências do fundo comum de conhecimento que reúne diversas experiências prévias e aspectos das coisas, dando um caráter generalizado às coisas e ações.

3 Quando uma conversa cotidiana é um contexto de interação

No entanto, ao se pensar no quadro de referências compartilhado, devemos pensar também nas diferenças interpretativas. Alfred Schütz vai propor o conceito de “sistema de relevâncias” para referir-se ao quadro que serve a interesses individuais, a grupos e circunstâncias, e que fariam com que os participantes dar “relevância” a uma e não a outra característica do conjunto que compõe a tipicalidade compartilhada. Por exemplo, enquanto numa conversa ocasional entre estranhos, o conhecimento compartilhado que prevalece é o típico, pois é pressuposto que qualquer agente no cotidiano seja capaz de utilizá-lo; numa conversa entre um casal, o conhecimento gerido por ambos pode ser mais específico, aspectos e características podem ganhar relevância em detrimento de outros, pois baseiam-se numa gramática própria. Este quadro de referências a partir do qual se interpretam mutuamente se constitui ao longo do tempo, a partir do conhecimento recíproco das biografias, de um passado de experiências conjuntas, de projetos futuros e interesses em comum. Este esquema gramatical próprio de ambos, com regras e léxicos próprios, não seria acessível a outros, mas particular à interação e história dos participantes, neste caso, o casal. Na citação seguinte, a conversa entre o casal8 revela o quão pouco os interlocutores agiam explicitamente acerca do assunto que tratavam e como isto pode ser considerado um indício de que dominavam a gramática específica e, portanto, “compreendiam-se” bem.

– MARIDO: Dana teve êxito em introduzir um centavo no medidor sem que eu precisasse levantá-lo.

– ESPOSA: Levou-o à loja de discos?

– MARIDO: Não, à sapataria.

– ESPOSA: Para quê?

– MARIDO: Comprei novos cadarços para meus sapatos.

– ESPOSA: Teus mocassins necessitam de solas novas (GARFINKEL, 2006, p. 50 – tradução minha9)

Para Garfinkel, dominavam “um esquema gramatical usado de maneira intersubjetiva para analisar a fala do outro e que proporciona a possibilidade de que pudessem entender-se mutuamente em termos de que podiam ser entendidos” (GARFINKEL, 2006, p. 41 – grifos do autor). Deste ponto de vista, “entender-se” significa dominar o esquema gramatical particular, compartilhar o quadro de referências relevante e à circunstância. O autor lista as ações que justificam o domínio pressuposto e não explícito da gramática particular: assuntos sobre os quais falaram não foram mencionados; os assuntos não mencionados se apresentavam à medida que novos dados iam surgindo, enquanto “evidências dentro de uma série temporal”, o que indica que os participantes se deixavam levar pela contingência do contexto; ambos fizeram referência à biografia um do outro, assim como às “perspectivas futuras de interação”, e as utilizaram como esquema de interpretação; ambos aguardaram o desenrolar da conversa para entender o que haviam dito anteriormente (GARFINKEL, 2006. p. 52). Lançar mão da gramática específica como um pressuposto, implica também ter expectativas de que o outro o faça, sem que isto precise ser dito.

Isso assegurava que nenhum dos dois tivera direito de exigir que o outro explicasse como fazia o que estava fazendo; quer dizer, nenhum dos dois tinha direito a exigir que o outro se “explicasse” a si mesmo. Em resumo, uma compreensão em comum que acarreta, como de fato o faz, um curso temporal “interior” de trabalho interpretativo, necessariamente tem uma estrutura operacional (GARFINKEL, 2006, p. 41 – tradução minha10)

Assim como a ação social cotidiana protagonizada pelo senso comum pressupõe uma lógica subjacente às circunstâncias práticas, no caso desta conversa também se espera que o outro domine o “sistema de relevâncias” e a gestão deste mesmo sistema. Outros recursos utilizados na conversa analisada estão presentes cotidianamente, quando compartilhamos o contexto pelo qual se orientam as ações:

A conversa revela traços adicionais. 1) Muitas de suas expressões são de tal caráter que seu sentido não pode ser decidido por aquele que escuta a menos que assuma algo sobre a biografia e o propósito do falante, as circunstâncias da locução, o curso precedente da conversação ou a relação particular da atual ou potencial interação que existe entre o usuário e o que escuta. As expressões não possuem um sentido que permaneça inalterado através das cambiantes ocasiões de seus usos.

2) Os eventos de que se falou eram vagos. Não só não constituem um grupo claramente restrito de possíveis determinações, senão que os eventos representados incluem, como partes de suas características intencionadas e sancionadas, uma “franja” acompanhante de determinações que estão abertas com respeito às relações internas, relações com outros eventos e relações com respeito a possibilidades retrospectivas e prospectivas.

3) Para o caráter sensível de uma expressão e sobre sua ocorrência, cada um dos participantes da conversação, como escuta de si mesmo e dos outros, deve assumir, em qualquer ponto no intercâmbio e enquanto espera pelo que ele ou a outra pessoa possa dizer, que em um tempo futuro o significado presente daquilo que já havia sido dito será esclarecido. Assim, muitas expressões possuem a propriedade de serem progressivamente compreendidas e compreensíveis através do curso seguinte da conversação. 4) Quase não há necessidade de assinalar que o sentido das expressões depende do lugar em que as expressões ocorram na série ordenada, assim como do caráter expressivo do termo que as aglutina e da importância do evento representado para os participantes na conversa. (GARFINKEL, 2006, p. 53 – grifos e tradução minha11).

Pode-se pensar o sistema de relevâncias como restrições às diversas características que compõem a tipicalidade ou generalidade das coisas do mundo:

Afirmar que o objeto S tem como propriedade característica p na forma de “S é p” é uma declaração elíptica. Pois S, ser tomado sem questionamento como aparece para mim, não é meramente p, mas também q e r, e muitas outras coisas. A afirmação completa deveria ser lida: “S é, entre outras muitas coisas, como q e r, também p”. Se eu afirmo que um elemento do mundo é percebido como dado: “S é p”, eu o faço sob certas circunstâncias em que tenho interesse no ser-de-p de S, desconsiderando como não relevante o ser q e r. (SCHÜTZ, 1953, p. 6 – tradução minha12).

Partindo da citação acima e retornando aos experimentos, Garfinkel revela como os alunos, ao analisarem o sistema de relevâncias compartilhado pelo casal, se equivocaram ao tentarem “traduzir” o que era vago e não explícito por significados mais precisos ou próximos do que “realmente” quereriam dizer. Esta tradução seria infinita, sempre haveria a possibilidade de refinar e aproximar cada vez mais o que foi dito com novos termos e outros sinônimos. O que não foi dito não era impreciso, mas pressuposto entre eles, provavelmente, de modo bastante preciso.

Reconhecer que se diz significa reconhecer como está falando uma pessoa, por exemplo, reconhecer que a esposa ao dizer “teus mocassins necessitam solas novas urgentemente” estava falando narrativa, metafórica, eufemisticamente ou com duplo sentido.

Os estudantes tropeçaram com o fato de que a pergunta sobre como está falando uma pessoa, a tarefa de descobrir o método que uma pessoa usa para falar, não se satisfaz e não é o mesmo que demonstrar que o que essa pessoa disse concorda com uma regra para demonstrar consistência, compatibilidade ou coerência de significados (GARFINKEL, 2006, p. 40 – tradução minha13).

A mesma expressão “teus mocassins necessitam solas novas urgentemente” pode ser compreendida como uma narrativa ou uma metáfora, um eufemismo ou um duplo sentido. As relevâncias compartilhadas não são significados mais explicativos ou precisos, mas são usos dados aos significados pelos usuários de determinada comunidade linguística, que se aproxima dos estudos da pragmática.

Em lugar e em contraste com a preocupação pela diferença entre aquilo que se havia dito e aquilo sobre o que se falava, a diferença apropriada a estabelecer-se é entre, por um lado, o reconhecimento por parte dos membros de uma comunidade linguística do que uma pessoa está dizendo algo, isto é, do que estava falando e, por outro, como estava falando. Então, o sentido reconhecido do que uma pessoa diz consiste só e completamente em reconhecer o método de sua fala, em ver como fala (GARFINKEL, 2006, p.39 – tradução minha14)

São os mesmos termos, cujas características atribuídas variam conforme as circunstâncias de interação entre os falantes e o contexto. E, embora as relevâncias possam ser lidas como usos de significados, referem-se a um sistema mais amplo que implica todo um modo de compreender a vida. Há uma racionalidade nas relações contextuais que é percebida pelos membros de uma situação como padrões de comportamento pressupostos para sua participação.

Dessa forma, os significados das elocuções têm que ser apreendidos em relação à completa variedade de usos pelos quais a linguagem é enunciada pelos atores sociais – não apenas aquelas que “descrevem”, mas também aquelas que “argumentam”, “persuadem”, “zombam”, “avaliam”, etc. […] Uma de suas consequências é que a linguagem ordinária não pode ser ignorada pelos pesquisadores sociais em proveito de uma metalinguagem “técnica”, completamente separada, que “ilumine” as “indistinções” ou as “ambiguidades” da fala cotidiana. (GIDDENS, 1998, p. 287).

Os grupos baseiam seus sistemas de tomada de decisão, codificação e compreensão comum numa racionalidade muito própria, utilizando provérbios, não-ditos, termos indiciais que remetem a um padrão reconhecível e só tem sentido num contexto específico, cujo objetivo é responder a “todo-propósito-prático” do grupo, sua gramática. Um assunto “explicável-para-todo-propósito-prático” é “um assunto que pode resolver-se exclusiva e completamente” sem recorrer a nenhuma razão que lhe seja exterior (GARFINKEL, 2006, p. 17). Em outro contexto e outro grupo esses sistemas não seriam considerados racionais.

4 Conclusão

A etnometodologia se opõe diretamente às teorias que vêem nas “motivações” o significado das ações sociais (significativas e orientadas por outros). A orientação pelo outro é compreendida pela fenomenologia do mundo da vida cotidiana como uma situação “originária” do indivíduo. Desde que o mundo existe para ele, existem outras pessoas. Ter consciência do outro já é uma orientação: “Eu sou ‘orientado-pelo-Tu’ mesmo em relação ao homem que está parado perto de mim no metrô” (SCHÜTZ, 2012, p. 237). A participação em comunidades de interesses e sistemas de relevâncias também seria originária, pois a sociedade já é, de antemão, para qualquer indivíduo, constituída de experiências anteriores que estão na origem das experiências particulares que venha a ter.

As “motivações” ou “intenções” são para a etnometodologia indicações de padrões de interpretação tanto quanto qualquer outra atribuição que se possa dar às ações sociais. Elas servem de indicadores aos agentes para interpretar e agir nas circunstâncias diversas. É parte dos recursos do agente de gestão do fundo comum investigar os indícios, identificar as tipicalidades, levar em conta a situação biográfica do outro, comparar com situações passadas e imaginar as futuras, entre outras. Ou seja, os “motivos” e “causas” pertencem aos elementos identificados no contexto que ajudam o participante a orientar suas ações, eles não têm maior privilégio que outros elementos como a tipicalidade, as biografias, as expectativas.

Ao iniciar as suas investigações das propriedades do conhecimento e da ação de senso comum, Garfinkel afirmou que o agente social responde “não só ao comportamento, aos sentimentos, motivos, relações e outras características socialmente organizadas da vida ao seu redor por ele percebido”, mas também à “normalidade percebida desses eventos” (HERITAGE, 1999, p. 333 – grifo meu).

Os estudos revelaram a existência de inúmeros recursos disponíveis de gestão do fundo de conhecimento comum, a ponto de se poder afirmar que os “atores” sabem “de certo modo o que estão fazendo e sabem-no em comum uns com os outros”. (HERITAGE, 1999, p. 333). A ação social cotidiana baseia-se no compartilha­mento de ações e interpretações observáveis e relatáveis, e é a partir do reconhecimento, por outros, das ações e interpretações de um indivíduo, em circunstâncias práticas ou concretas que ele pode almejar ter sua singularidade e originalidade. Embora todos estejam atentos aos padrões e sua visibilidade para o reconhecimento, este mecanismo é tratado como natural e normal e, portanto, ignorado. O que evidencia que o desinteresse do grupo pela própria atividade como forma de realizá-la é também o que garante o seu compartilhamento. Porque são pressupostos é que os acordos podem ser “esquecidos” pelo grupo.

Conhecimento e ação serão considerados complementares, pois “a compreensão, ainda que tácita, dos momentos contextuais” (HERITAGE, 1999, p. 350) não é anterior ou exterior ao contexto onde esta ação ocorre. Ao contrário, compõe este mesmo contexto, a partir do qual as ações podem ser “levadas a cabo”. “Conhecer” é “compreender” o contexto (e constituí-lo) e “compartilhar” com outros participantes no tempo e/ou no espaço este mesmo contexto. Neste sentido, o compartilhamento contextual, por meio de práticas discursivas, memória, expectativas pertence não apenas a ação social, mas aos estudos que busca compreendê-la.

Referências bibliográficas:

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1 O modelo canônico refere-se aos estudos de Talcott Parsons. Segundo John Heritage, as motivações seriam exteriores às ações sociais e não explicam como elas ocorrem: “Parsons não logrou em absoluto construir uma teoria da ação, mas formulou, em vez disso, apenas uma teoria de disposições para agir” (HERITAGE, 1999, p. 327)

2Durante la conversación el experimentador se abría la chaqueta para mostrar la grabadora y decía: «Ves lo que llevo aquí?». La pausa inicial era casi invariablemente seguida por la pregunta: «¿Qué vas a hacer con la grabación?». Los sujetos reclamaron por la ruptura de la expectativa de que la conversación era «entre nosotros». El hecho de que se revelara que la conversación había sido grabada motivó nuevas posibilidades que las partes buscaron poner bajo la jurisdicción de un acuerdo que nunca había sido explícitamente mencionado y que, en efecto, no existía previo al evento. La conversación, que ahora se revelaba como grabada, adquirió un aspecto nuevo y problemático a la vista de los usos desconocidos para los cuales podía ser utilizada. A partir de ese momento se dio por sentado que el acuerdo de que la conversación era íntima había operado durante todo el tiempo.

3En la conducta de sus asuntos cotidianos, para que la persona pueda tratar racionalmente la décima parte de la situación que, como un iceberg sobresale del agua, debe ser capaz de tratar las restantes nueve décimas partes escondidas bajo el agua como algo incuestionable y, quizás aún más interesante, como trasfondo incuestionable de los asuntos que son relevantes para sus cálculos, pero que aparecen sin ser notado.

4Un asunto, sin embargo, está excluido del interés de los miembros: las acciones prácticas y las circunstancias prácticas no son para ellos, en sí mismas, un tópico, y menos aún el único tópico de sus investigaciones.

5All facts are from the outset facts selected from an universal context by the activities of our mind. They are, therefore, always interpreted facts, namely, either facts looked at as detached from their context by an artificial abstraction or facts considered in theirs particular setting. In either case they carry along their interpretational inner and outer horizon.</small>

6Schütz propõe uma sociologia fenomenológica, a partir de Edmund Husserl, que elimina qualquer “noção preconcebida a respeito da natureza última dos objetos em questão e com a qual se preocupa a natureza humana” (WAGNER, 2012, p. 16). Ainda, para Husserl, “O fenomenólogo não deve apenas examinar ‘a própria experiência de si mesmo’, mas também ‘a experiência derivativa dos outros eus da sociedade’” (WAGNER, 2012, p. 17).

7A “tipicalidade” é um conceito que Schütz vai buscar em Edmund Husserl e refere-se a ao conhecimento disseminado no mundo cotidiano e que é pressuposto por todos os agentes, condição de possibilidade de um mundo desde sempre interpretado e compartilhado.

8 O diálogo pertence aos experimentos de Garfinkel, disponíveis em “Estudos de etnometodologia” (2006, p. 50)

9ESPOSO: Dana tuvo éxito en introducir un centavo en el medidor sin necesidad de que lo alzara.

ESPOSA: ¿Lo llevaste a la tienda de discos?

ESPOSO: No, a la zapatería.

ESPOSA: ¿Para qué?

ESPOSO: Compré nuevos cordones para mis zapatos.

ESPOSA: Tus mocasines necesitan suelas nuevas urgentemente.

10Ello aseguraba que ninguno de los dos tuviera derecho a exigir al otro el explicar cómo hacía lo que se estaba haciendo; es decir, ninguno de los dos tenía derecho a exigir que el otro se «explicara» a sí mismo.

En resumen, una comprensión en común que acarrea, como de hecho lo hace, un curso temporal «interior» de trabajo interpretativo, necesariamente tiene una estructura operacional.

11El coloquio revela rasgos adicionales. 1) Muchas de sus expresiones son de tal carácter que su sentido no puede ser decidido por aquel que escucha a menos que asuma algo sobre la biografía y propósito del hablante, las circunstancias de la alocución, el curso precedente de la conversación o la relación particular de la actual o potencial interacción que existe entre el usuario y el que escucha. Las expresiones no poseen un sentido que permanece inalterado a través de las cambiantes ocasiones de sus usos.

2) Los eventos de los que se habló eran vagos. No sólo no constituyen un grupo claramente restringido de posibles determinaciones, sino que los eventos representados incluyen, como partes de sus rasgos intencionados y sancionados, una «franja» acompañante de determinaciones que están abiertas con respecto a las relaciones internas, relaciones con otros eventos y relaciones con respecto a posibilidades retrospectivas y prospectivas.

3) Para el carácter sensible de una expresión y sobre su ocurrencia, cada uno de los participantes de la conversación, como escucha de sí mismo y de los otros, debe asumir, en cualquier punto en el intercambio y mientras espera por lo que él o la otra persona pudiera decir, que en un tiempo futuro el significado presente de aquello que ya ha sido dicho será clarificado. Así, muchas expresiones poseen la propiedad de ser progresivamen-te comprendidas y comprensibles a través del curso siguiente de la conversación. 4) Casi no hay necesidad de señalar que el sentido de las expresiones depende del lugar en que las expresiones ocurran en la serie ordenada, así como del carácter expresivo del término que las aglutina y de la importancia del evento representado para los participantes en la conversación.

12Asserting of this object S that it has the characteristic property p in the form of “S is p” is an ellipitical statement. For S, taken without any question as it appears to me, is not merely p but also q and r and many other things. The full statement should read: “S is, among many other things, such as q and r, also p.” If I assert with respect to an element of the world as taken for grantes: S is p, “I do só because under the prevailing circumstances I am interested in the p-being of S, disreagarding as not relevant its being also q and r”

13Reconocer qué se dice significa reconocer cómo está hablando una persona, por ejemplo, reconocer que la esposa, al decir «tus mocasines necesitan suelas nuevas urgentemente», estaba hablando narrativamente, metafóricamente, eufemísticamente o con doble sentido.

Los estudiantes tropezaron con el hecho de que la pregunta sobre cómo está hablando una persona, la tarea de describir el método que una persona usa para hablar, no se satisface con y no es lo mismo que la demostración de que lo que esa persona dijo concuerda con una regla para demostrar consistencia, compatibilidad o coherencia de significados.

14En lugar de y en contraste con la preocupación por las diferencias entre aquello que se había dicho y aquello sobre lo que se hablaba, la diferencia apropiada que debe establecerse es entre, por un lado, el reconocimiento por parte de los miembros de una comunidad lingüística de que una persona está diciendo algo, esto es, de que estaba hablando y, por el otro, cómo estaba ha-blando. Entonces el sentido reconocido de lo que una persona dice consiste sólo y completamente en reconocer el método de su habla, en ver cómo habla